AMOR E LIBERTAÇÃO [Parte II]


[Melvin McLeod entrevista Thich Nhat Hanh continuação... ]

Tradução por Tâm Vãn Lang
 
O Senhor é um mestre da tradição Zen, com um conhecimento profundo também de outras escolas de budismo, no entanto durante este programa inteiro de ensinamentos fez somente uma referência de modo tangencial ao Zen. Ao invés, o Senhor ensinou exclusivamente sobre os fundamentos básicos do Budismo, como a prática da consciência plena e as quatro nobres verdades. Porque o Senhor escolheu esta abordagem?

Existe o budismo original, o Budismo de Buda, e as diversas Escolas de Budismo que foram desenvolvidas pelas gerações seguintes. Mas seja este Budismo Original, Zen, Tendai ou Vajrayana, continua sendo o ensinamento de Buda. O trabalho de Buda continuou através dos discípulos dele – sua sabedoria e ensinamentos continuaram depois dele ter passado para o nirvana. Nós reconhecemos Buda nas gerações de professores e alunos que vieram em seguida.

O que eu tenho feito é apresentar os ensinamentos do Budismo Original dentro de um espírito Mahayana. O Budismo Mahayana tem uma visão muito aberta, irrestrita, e é maravilhoso estudar o Budismo Original com este tipo de espírito. Quando você usa os olhos Mahayana para inquirir sobre o Budismo Original, você pode descobrir tantas coisas, coisas muito mais profundas. Você compreende que todos os grandes ensinamentos do Mahayana podem ser encontrados no ensinamento original. As grandes idéias do Mahayana já estão lá. As sementes já estão lá no Budismo Original.

Então quando usamos o termo ‘Budismo Original’, isto não quer dizer que engavetamos as tradições posteriores. Nós queremos conectar as tradições posteriores às suas raízes. Assim o Budismo Original pode se transformar no fundamento comum, no denominador comum de todo budista. É por isso que temos tentado oferecer os ensinamentos do Budismo Original dentro do espírito do Budismo Mahayana.

O budismo na sua forma original era simples – simples, porém profundo. Muitos estudiosos transformaram o budismo em algo complicado demais, em um tipo de metafísica ou filosofia. Alguns alunos de budismo gastam muito tempo aprendendo estes sistemas de pensamento e não têm tempo de praticar. É como o Mestre Linji [Rinzai, em japonês], que aprendeu muito sobre budismo, mas descobriu que budismo não bastava. Então ele abandonou o aprendizado e começou a praticar.

Como o Budismo ainda está em sua infância no Ocidente, na fase inicial, o Senhor sente que os ensinamentos do Budismo Original são talvez mais adequados neste exato momento do que os ensinamentos que se desenvolveram depois? 

Não é que um ensinamento particular seja mais apropriado ao nosso tempo. O que é importante é o modo pelo qual o  compreendemos, que depende de nossa abordagem. Se você é um estudioso e trabalha somente com o seu intelecto, você poderá interpretar um ensinamento de uma maneira. Mas se você é um verdadeiro praticante, sua prática lhe ajudará a descobrir a profundeza do ensinamento e tocar o insight surgido através da prática. Assim você terá outra maneira completamente diferente de apresentar o mesmo ensinamento. Então a questão não é o ensinamento em si, mas se a forma pela qual você experimenta e apresenta o ensinamento é apropriada.

Não obstante, é surpreendente notar que a primeira palestra de Darma proferida por Buda ainda é relevante ao nosso tempo. Após 2.500 anos, o primeiro ensinamento de Darma ainda é válido, ainda é incontestável. Na primeira palestra de Darma encontramos ensinamentos suficientes para seguir pro resto da vida. Isto é algo maravilhoso!

Em seus ensinamentos o Senhor dedica mais atenção aos princípios da sanga, da comunidade, do que talvez qualquer outro professor budista. Porque isso é tão importante para o Senhor? 

A construção da irmandade é base da sanga, e se a sanga for feliz, ela pode ser um refúgio para muitas pessoas. Nós começamos a construir nossa comunidade há muito tempo atrás, há muitas décadas, e ela agora cresceu numa sanga sólida, madura. Tem muitas pessoas que vêm praticando por muito tempo, e quando tem um retiro como esse você pode sentir a energia da sanga.
Tem uma estória nos sutras sobre o Rei Presenajit de Shravasti, que se encontrou com Buda pela última vez quando ambos tinham oitenta anos. O rei disse algo assim: “Querido Buda, toda vez que eu vejo a sanga, eu lhe vejo mais claramente”. É muito significativo que Buda pode ser visto através da sanga. A sanga é o trabalho, a obra-prima de Buda. Buda é um artista e a sanga é sua ilustração. Então o que o rei disse é muito significativo: “Querido Buda, querido professor, toda vez que entro em contato com sua sanga, eu lhe vejo mais claramente e aprecio o Senhor cada vez mais”. Buda ainda está vivo hoje na sanga. Quando você vê os monges e pessoas laicas praticando, você vê a presença de Buda.
O Senhor convocou recentemente membros de sua própria sanga, assim como todos os que apóiam os princípios da paz e da não violência, para apoiar o Presidente Obama. Por que o Senhor deu esse passo? 

Você sabe que eu encontrei Martin Luther King Jr em 1966. Nós conversamos sobre sanga e o conceito dele de uma amada comunidade. Nós conversamos sobre direitos humanos, paz, não violência e assim por diante. O que nós estávamos fazendo era muito semelhante: construindo comunidade, misturando as sementes de sabedoria, compaixão e não violência.
Esta frase é uma continuação daquele trabalho. Nós plantamos aquelas sementes e quando Obama surgiu, pudemos ver que Obama era capaz de usar o discurso amoroso, da compreensão, da indiscriminação. Mas Obama também é vulnerável – ele não consegue continuar sendo quem ele é se não estiver apoiado por uma forte comunidade, por todos os que acreditam nestes princípios. Talvez no futuro os conselheiros militares e conselheiros econômicos dele o conduzam para outra direção. Foi por isso que recorremos à sanga para apoiar Obama, para que ele possa ser ele próprio e continuar a praticar as coisas que ele tem demonstrado que pode fazer; como por exemplo: usar o discurso amoroso e ajudar a remover as percepções errôneas, dentro dos Estados Unidos e mundo Árabe.
Tem tido tantos sinais provando que Obama tem uma intenção, uma aspiração, de realizar paz, irmandade, indiscriminação e assim por diante. Apoiar Obama não tem a ver com apoiar um partido político, mas apoiar uma maneira de fazer política que não é muito vista no mundo dos políticos. Obama representa um novo tipo de consciência, um novo tipo de aspiração, um novo tipo de ação. Isto é bonito, mas como mantê-los vivos? Existem tantos elementos tentando puxar Obama em outra direção. Por isso nós temos que mobilizar a comunidade para ajudar a proteger Obama, para que Obama possa permanecer Obama por mais tempo. Isto não significa apoiar um partido político. Significa apoiar uma visão, uma aspiração.
O Senhor deu uma palestra em Nova Iorque intitulada “Construindo uma sociedade pacífica e compassiva”. Qual é o nosso caminho para uma sociedade sã e compassiva? Os seus cinco treinamentos colocam os votos do budismo tradicional em um contexto social moderno. Eles são um guia? 

Em geral, o insight do interser ajudará a remover a discriminação, medo e a forma dualista de pensamento. Nós intersomos – até mesmo o sofrimento e a felicidade intersão – e é por isso que o insight do interser são os alicerces de qualquer tipo de ação que pode trazer paz e irmandade, e ajuda a remover violência e desespero. Este insight está presente em toda grande tradição espiritual. Nós precisamos somente retornar ao lar da nossa própria tradição, e tentar revelar isso, reviver isso.
Os cinco treinamentos da consciência plena são práticas de amor muito concretas. Em nossa tradição, a tradição budista, nós aprendemos a aplicar os treinamentos na vida diária. Eles são para ação, não para especulação. Você não apenas assina uma petição; você a transforma em sua própria vida, no seu caminho. Assim você fica feliz por saber que tem um caminho de compreensão e amor. Como você tem um caminho de compreensão e amor, você não tem mais motivo para temer o seu futuro.
Então você pode partilhar o seu caminho, o seu modo de cultivar compreensão e amor com pessoas de outras tradições. Elas não têm que se tornarem budistas; elas retornam às suas próprias tradições e reconhecem o equivalente aos cinco treinamentos lá. Nosso propósito não é converter pessoas ao budismo. Nosso propósito é viver o budismo enquanto um caminho de compreensão e amor. Você pode continuar a ser um judeu, um cristão ou um muçulmano, e você pode fazer exatamente as mesmas coisas que fazemos na tradição budista. Nós usamos a linguagem e prática budista, você usa a linguagem e prática mulçumana, mas chegamos ao mesmo resultado. Por isso é que pode ser chamado de espiritualidade global ou ética global.
Não seria maravilhoso se grandes líderes espirituais de diferentes tradições pudessem se reunir e discutir o que seria uma ética global comum? 

Talvez eles não precisem se reunir em um lugar. Eles podem apenas ficar onde estão e praticar a mesma compreensão e amor.
Muito obrigado, Thây. É muita bondade sua ter nos dado esse tempo. Foi uma honra pra mim pessoalmente e eu sei trará grandes benefícios aos nossos leitores. 

Fonte: Shambhala Sun, julho de 2010